[Tradução] Discursos d’O Senhor dos Aneis

Estes dois discursos e um monólogo não estão, até onde eu sei, nos livros de Tolkien. Foram compostos pelos roteiristas dos filmes d’O Senhor dos Aneis — mas provavelmente (preciso tirar isto a limpo), baseando-se em frases e trechos dos livros. Seja como for, estas falas dos filmes são, como muitas falas dos livros, praticamente poesia. Elas têm padrões de ritmo, baseados na ordenação das sílabas tônicas e átonas, que as tornam imponentes e marcantes. Foram esses padrões que procurei reproduzir ou recriar ao traduzir.

Primeiro, o monólogo do Rei Théoden antes da batalha de Helm’s Deep:

Onde estão cavaleiro e cavalo?
Onde, a trompa soando?
Passaram, qual chuva nos montes,
Qual o vento no prado.
Os dias desceram no Oeste,
Atrás das colinas, na sombra. 
Como chegamos nisto?

Depois, a fala de Éomer aos cavaleiros de Rohan quando eles partem para se reunir em Dunharrow, de onde irão até Minas Tirith tomar parte na batalha.

Cavaleiros de Rohan! Juramentos que fizestes — agora, cumpri-os todos, pelo senhor e a terra!

Por último, o discurso de Aragorn aos guerreiros diante do Portão Negro de Mordor, antes da última batalha contra as hostes de Sauron:

Estai firmes! Estai firmes!
Filhos de Gondor! de Rohan! Meus irmãos!
Vejo em vossos olhos o mesmo medo que me quer tomar o coração. 
Um dia pode vir em que a coragem dos homens falha, em que abandonamos amigos e rompemos todos os laços de irmandade.
Mas não é este dia!
Uma hora de lobos e escudos partidos, quando a Era dos Homens com fragor se esboroa.
Mas não é este dia! Neste dia, lutamos!
Por tudo o que caro vos é sobre esta boa terra, eu vos conjuro: resisti, Homens do Oeste!

Passando da poesia para a retórica por um momento, algo que acho fascinante é que este último discurso é construído ao redor da mesma ideia contida nesta linha da peça Henrique V de Shakespeare — uma linha não do famosíssimo discurso do dia de São Crispim, mas sim da oração que o rei faz na noite anterior, pedindo aos Céus ajuda para vencer a batalha de Azincourt:

Não hoje, ó Senhor, ó, não hoje, não penseis na falta que cometeu meu pai ao tomar a coroa...

Em ambos os casos, o líder menciona algo ruim que pode bem acontecer — Deus permitir que ele seja derrotado como punição pelos pecados de seu pai, no caso de Henrique V; os homens esmorecerem antes da luta, no caso de Aragorn — e em vez de instar seu interlocutor para que não aconteça, insta-o apenas que não seja hoje. Not today. Not this day!

Ao que parece, Mr. Shakespeare tornou quase impossível escrever discursos inspiradores sem que a audiência veja uma referência — real ou imaginária — a Henrique V…

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Imagem: Mapa da Terra do Meio com anotações, de autoria de Tolkien. Fonte: exposição sobre as ilustrações de Tolkien.

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