[Conto da Páscoa] Danilo, o Desventurado

Esta não é uma história religiosa, mas um conto de fadas que se passa na Páscoa, nos tempos lendários do príncipe Volodymyr de Kyiv.

Como acontece em vários contos de fadas do antigo Rus, a personagem mais poderosa desta história não é o herói mas sim sua esposa. Com suas artes mágicas, ela resolve todos os problemas do marido, e dá uma lição ao próprio governante do país.

Outro aspecto notável desta história é a personagem dúbia que ajuda ora o herói, ora o vilão. É o mesmo tipo de personagem que a Baba Yagá, a qual aparece em muitas histórias do Rus.

Existe uma outra versão (que eu talvez publique mais para a frente) que detalha qual foi o castigo do vilão. Esta versão termina com o príncipe recebendo uma lição de humildade, e só fica subentendido que o castigo do vilão será ver seus propósitos frustrados, e ver que o herói e sua amada viverão felizes dali em diante.

Na cidade de Kyiv, o príncipe Volodymyr tinha uma multidão de servos e de camponeses. Vivia no palácio também Danilo, um nobre sem sorte. Aos domingos o príncipe oferecia a todos umas rodadas de licores finos, e a Danilo, nada. Quando se festejava alguma coisa importante, cada um recebia uma lembrança e Danilo, nada.

Na véspera do Domingo de Páscoa, sábado de paixão, o príncipe Volodymyr chamou Danilo Desventurado, deu-lhe quarenta peles de zibelina e ordenou-lhe que fizesse um traje para a festa. As peles não estavam curtidas, os botões não tinham sido feitos, as bainhas não tinham sido cosidas. Recebeu ordem de forjar botões decorados com feras dos bosques e bainhas decoradas com pássaros de além-mar.

Danilo Desventurado sentiu-se aborrecido com aquilo. Atirou tudo para um lado e saiu pelas portas da cidade, pondo-se a andar à toa, em lágrimas. Veio-lhe ao encontro uma velha decrépita que lhe perguntou:

— Então, Danilo, o que aconteceu? Por que está chorando?

— Oh, também você, velha bexiguenta e, ainda por cima, choramingas! Que lhe aconteça uma desgraça! Nem sei o que fazer de você! Vá-se embora!

E caminhou; mas, tendo-se afastado um pouco, perguntou a si mesmo: “Mas por que maltratei a velha?” Voltou atrás, chegou-se a ela e disse-lhe:

— Avozinha, minha pomba! perdoe-me pelo que fiz há pouco! É que estou meio louco com o que me acontece. Eis o que foi: o príncipe Volodymyr deu-me quarenta peles de zibelina, não curtidas, para que eu faça uma peliça para amanhã. E tenho que fazer botões decorados com feras do bosque e bainhas de seda recamadas com pássaros de além-mar que cantem! Como é que posso fazer uma coisa dessas? Acho que o que me resta é ir a uma hospedaria e tomar um pileque!

A velha respondeu-lhe:

— Ah! Agora sou “avozinha” e “pomba”, hein? Está bem. Vá para a beira-mar, e fique perto daquele carvalho cinzento. À meia-noite em ponto o mar se agitará e sairá das águas o Monstro de Bico, bicho marinho que não tem braços nem pernas e tem barba branca. Agarre-o pela barba e bata-lhe até ele dizer: “Por que me bate, Danilo Desventurado?” Então, você deverá responder: “Quero que apareça diante de mim o Branco Cisne, bela donzela. Através das penas deve ver-se o corpo. Através do corpo devem ver-se os ossos, e através dos ossos deve ver-se a medula escorrendo como pérolas quando se desenfiam.

Danilo Desventurado foi para o mar e encostou-se ao carvalho escuro. À meia-noite em ponto, o mar espumou e veio para o seu lado o Monstro de Bico, bicho marinho sem braços e sem pernas, apenas com a barba branca. Danilo pegou-o pela barba e começou a bater com ele contra o úmido chão, até que o Monstro lhe perguntou:

— Por que me bate, Danilo Desventurado?

— Eis porque: mande a mim o Branco Cisne, bela donzela através de cujas penas se vê o corpo; através de cujo corpo se vêem os ossos; através de cujos ossos se vê a medula escorrendo como pérolas desenfiadas.

Pouco depois veio nadando o Branco Cisne, moça bonita, que chegou até a praia e falou:

— Oh, Danilo Desventurado! Anda em busca de aventuras, ou fugindo de desventuras?

Danilo respondeu:

— Oh, Branco Cisne, bela donzela! Às vezes fujo da desventura, às vezes procuro a aventura. Eis o que me traz agora: o príncipe Volodymyr quer que eu faça uma peliça para a festa de amanhã. Deu-me quarenta peles de zibelina não curtidas ainda, nem os botões foram fundidos, nem as bainhas recamadas.

— Se quiser casar-se comigo, tudo será feito — respondeu o Branco Cisne.

Ele pensou: “Como poderei fazer para casar-me com ela?”

— Então, Danilo, em que está pensando?

— Em nada! Caso-me com você, pronto!

O Branco Cisne agitou as asas, inclinou a cabeça, e disse:

— Volte para mim seu rosto branco; construiremos uma casa principesca para nós. Sacuda os anéis de seus cabelos, para que a casa tenha cômodos.

Imediatamente compareceram doze jovens, todos carpinteiros, serralheiros, pedreiros. Começaram a trabalhar, e a casa logo ficou pronta.

Danilo pegou a mão direita do Cisne Branco, beijou-a nos doces lábios, levou-a ao palácio principesco e os dois sentaram-se à mesa. Comeram, beberam e ali mesmo, à mesa, ficaram noivos. Depois, a noiva disse-lhe:

Agora, Danilo, vá dormir e não se preocupe. Tudo estará pronto na hora.

Depois de pô-lo a dormir, saiu ao balcão de cristal, agitou as assas e sacudiu a cabecinha, dizendo:

— Meu paizinho querido, mande-me seus artesãos!

Imediatamente apareceram os doze jovens que lhe perguntaram:

— Branco Cisne, bela donzela, que ordena?

— Peguem as peles de zibelina de Danilo Desventurado, que não estão curtidas, e façam com elas uma peliça. Façam também os botões e as bainhas.

Logo todos se puseram ao trabalho: um curtia, o outro cosia, outro forjava os botões, outro fazia as bainhas; num piscar de olhos, a peliça ficou pronta. Que beleza! Branco Cisne, bela donzela, aproximou-se de Danilo Desventurado e acordou-o:

— Levante-se, meu amigo! A peliça já está pronta e já soam os sinos em Kyiv, a cidade do príncipe Volodymyr. Está na hora de se erguer e ir à missa!

Danilo levantou-se, vestiu a peliça e partiu. Ela ficou olhando da janela, e quando ele ia passando, parou-o e dando-lhe um pequenino chicote de ouro, disse:

— Quando sair da missa, bata com este chicote no peito, e os pássaros da peliça cantarão e os leões rugirão. Então, você oferecerá a peliça ao príncipe, para que não se esqueça de nós. Ele o convidará a ir ao palácio e lhe oferecerá vinho. Não beba o vinho até o fim. Se beber, lhe acontecerá algo mau. Não conte vantagens. Não se vanglorie de mim. Não se vanglorie de termos construído um palácio numa só noite.

Danilo pegou o chicotinho e foi. Mas novamente ela o fez voltar e lhe deu três ovos, dois de prata e um de ouro.

— Os ovos de prata, dê-os ao príncipe e à princesa. O de ouro dê-o a quem você quer que viva toda a vida ao seu lado.

Danilo Desventurado chegou à igreja. Durante a missa, todos o olhavam, admirados de que tivesse conseguido fazer a peliça a tempo. Depois da missa, achegou-se ao príncipe e à princesa, saudou-os com o beijo do perdão, e inadvertidamente tirou do bolso o ovo de ouro juntamente com os de prata. Aliósha Popóvitch, o conquistador de mulheres, viu-o. Quando saíram da missa, Danilo bateu com o chicotinho no peito e os pássaros começaram a cantar e os leões a rugir. Todo mundo ficou boquiaberto. Aliósha Popóvitch vestiu-se de velho mendigo e começou a implorar esmolas. Todos lhe davam alguma coisa, mas Danilo Desventurado ficou sem saber o que fazer. Não tinha nada para lhe dar. Como era porém uma grande festa, deu-lhe o ovo de ouro. Aliósha Popóvitch, depois de pegar o ovo de ouro, tirou as roupas de mendigo e voltou ao seu aspecto primitivo.

O prínciple Volodymyr convidou todos a irem ao palácio. Beberam, comeram, tomaram refrescos; em seguida, começaram a contar vantagens. Danilo, que bebera demais, até ficar meio tonto, começou a vangloriar-se da mulher. A certa altura, Aliósha Popóvitch disse que conhecia muito bem a mulher de Anilo. Este então retrucou:

— Se é verdade que conhece minha mulher, que me cortem a cabeça. E se não a conhecer, que cortem a sua!

Aliósha Popóvitch saiu e pôs-se a andar para onde as pernas o levavam; ia chorando, muito triste, quando lhe apareceu por diante a velhinha trêmula, que perguntou:

— Por que chora, Aliósha Popóvitch?

— Desapareça, velha bexiguenta! Que hei de fazer com você?

— Está bem — disse a velha — mas momento virá em que vai precisar de mim!

Imediatamente, Aliósha começou a dizer:

— Querida vovó! Que me queria dizer?

— Ah! Agora sou “querida vovó”, hein?

— Vovó, estou desesperado! Gabei-me de conhecer a mulher de Danilo Desventurado…

— Ah, ah, ah, caro amigo! Jamais você poderia conhecê-la. Não é para o seu bico! Mas vá à casa dela e convide-a para o almoço no palácio do príncipe. Ela irá lavar-se e arrumar-se e colocará a correntinha na janela. Peque nessa corrente e mostre-a a Danilo Desventurado.

Aliósha assim fez. Chegou à casa de Danilo e convidou Branco Cisne, bela donzela, para o almoço no palácio do príncipe. Ela foi lavar-se, vestir-se e arrumar-se para o banquete. Aliósha então pegou a corrente e correu para o palácio. Ali, mostrou-a a Danilo Desventurado, que disse:

— Bem, príncipe Volodymyr. Agora terei de perder a cabeça. Dê-me licença porém de ir até em casa despedir-me de minha mulher.

Diante da mulher, disse-lhe:

— Eis o que fiz, Branco Cisne. Embriaguei-me, contei vantagem, e perdi a vida!

— Sei de tudo — respondeu ela. — Vá convidar o príncipe, a princesa e os outros a virem aqui. Se o príncipe começar a opor dificuldades, dizendo que o caminho é mau e o mar está agitado, diga-lhe: “Não tenha medo, príncipe Volodymyr. Sobre os pântanos e sobre os rios foram construídas pontes cobertas e forradas com tapetes purpurinos. Os campeões e nobres não apanharão poeira e os cascos dos seus cavalos não se sujarão de barro.”

Danilo Desventurado saiu a fazer os convites, e Branco Cisne, bela donzela, no balcão, agitou as asas, sacudiu a cabeça, e desde o palácio do príncipe até o seu apareceu uma ponte toda forrada de tapetes purpurinos, repleta de flores perfumosas, de pássaros que cantavam, de macieiras cheias de frutos.

O príncipe e a princesa prepararam-se para fazer a visita e meteram-se ao caminho com todo o valoroso exército. Chegando ao primeiro rio viram que o que corria não era água, mas excelente cerveja. Os soldados beberam e grande número deles ficou caído nas margens. Chegando ao segundo rio, notaram que o que corria era um ótimo hidromel, e ali ficou mais de metade do exército, sorvendo a deliciosa bebida. Chegando ao terceiro rio, viram que era de finíssimo vinho, e os oficiais atiraram-se a beber, ficando completamente embriagados. Chegando ao quarto rio viram que era de vodca. Quando o príncipe olhou para trás, notou que todos os soldados, oficiais e nobres estavam lá, debruçados ou caídos; restavam apenas quatro: ele, a princesa sua esposa, Aliósha Popóvitch e Danilo Desventurado.

Entraram no palácio, nas altas salas belíssimas. As mesas estavam postas e cheias do que havia de melhor em bebidas e comidas, tudo servido em riquíssimas toalhas de seda. As bebidas não vinham em garrafas nem em jarras: corriam em rios! O príncipe e a princesa não comiam nem bebiam. Olhavam, admirados, e esperavam: quando aparecerá Branco Cisne, bela donzela? Ficaram na mesa muito tempo. Esperaram inutilmente. Já era hora de voltar. Danilo Desventurado chamou-a uma vez, segunda, terceira, e nada. Ela não apareceu aos hóspedes. Aliósha Popóvitch então disse:

— Se fôsse minha mulher, eu a ensinaria a ouvir o marido!

Branco Cisne, ouvindo-o, apareceu no balcão:

— Eis como se ensina aos maridos!

Agitou as asas e a cabeça, levantou vôo e os hóspedes se encontraram ao desabrigo, sobre um pedacinho de terra no meio de um pântano. Sair dali sem se enlamear seria impossível. O príncipe teve que deixar o orgulho de lado e ir na garupa de Danilo Desventurado, e chegou ao palácio sujo dos pés à cabeça.

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Se você está procurando outras leituras para a Páscoa, veja também este conto da escritora sueca Selma Lagerlöf.

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Enciclopédia Universal da Fábula, vol. XIV.
Imagem: A Grande Igreja de Petcherska-Lavra em Kyiv, por Vasily Petrovitch Vereshtchaguin. Fonte: Wikimedia Commons.

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