[Lenda da Letônia] As Lágrimas do Poeta

Notemos a riqueza de vocabulário deste texto, tradução de uma lenda da Letônia (país à margem do Mar Báltico). Ela nos fala do poder da música, numa linguagem muito poética, rica em imagens e metáforas.

Lenda europeia antiga sobre a origem das pérolas.

Amari, o poeta, cantava a sua alegria, cantava a sua esperança. Saíam-lhe dos lábios purpurinos, dos lábios delicadíssimos, palavras cintilantes como o sol de verão.

Amari cantava, sentado debaixo do grande carvalho, o carvalho que se erguia no alto da colina. No sopé da colina palpitava, resplandecendo de luz argêntea, a infinita extensão marítima.

Acorreram a escutar os cantos sublimes de Amari os esquilos vivos e irrequietos, os cervos tímidos, as lebres palpitantes, os arminhos de vestes de neve. Até o feroz lobo apareceu para ouvir as palavras de luz, as palavras que exaltavam a luz e a bondade; o urso saiu de sua cova tenebrosa, a raposa deixou a toca; do mundo aéreo chegaram em revoada as pombas graciosas, os falcões, as cegonhas, até as águias deixaram os ninhos nimbados de nuvens, os patos silvestres seus tanques, os cisnes seus lagos sonolentos; as procelárias destacaram-se como corolas de espuma das ondas marinhas.

Athi, o deus dos mares, caminhou até um escolho coberto de algas e ali sentou-se. As virgens do ar, para chegar até o poeta, desceram à terra deslizando por um raio de sol. E os próprios peixes, os salmões carniceiros, os bacalhaus de escamas prateadas, os dourados de barbatanas de ouro, todos subiram à superfície para escutar a voz da poesia, para desfrutar a beleza, para se valer do conforto dos suaves augúrios.

A voz da poesia era doce, comovia também o gelado coração dos peixes. E os peixes choraram; choraram as aves, choraram os animais da floresta.

Acabou chorando, tocado pelos próprios cantares melancólicos, o próprio Amari, o homem da esperança lúcida, da alegria sem fim.

As lágrimas rolaram pelo seu rosto, caíram em seu joelho, deslizaram pela encosta da colina, foram desaparecer no mar. Eram muitas, muitas lágrimas transparentes como o cristal, redondas como as sementes da gengibre. Amari viu-as escorrer debaixo de si como um rio de luz. Quanto terminou de cantar, chamou a pata azul.

— Ó patinha da cor do céu sereno, animal gracioso que gostas de mergulhar na água, afunda-te no oceano e do seio das ondas recolhe as minhas lágrimas, traze-mas de volta.

A pata azul mergulhou, tomou as lágrimas uma a uma no bico e veio trazê-las de volta ao poeta. O poeta observou-as, cheio de maravilha. Eram duras, lisas, brilhantes. Não eram mais lágrimas: eram pérolas, esse pranto da poesia. Delas se toucariam daí por diante a beleza, a graça, a fidalguia. A terra estava, assim, enriquecida com um novo motivo de fascinação.

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Extraído da Enciclopédia Universal da Fábula, vol. XXIII. Tradução de Hilário Correia.
Imagem: Wikimedia Commons

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