[Lenda da Polônia] Sigismundo, o Sábio

Na semana passada, aumentamos nosso vocabulário lendo um conto tradicional da Letônia. Hoje é a vez de uma antiga lenda da Polônia (sim, continuamos no Leste Europeu), que nos fala sobre o conflito dos poloneses com um povo invasor.

Notemos a abundância de novas palavras neste texto, palavras que o embelezam e enriquecem. E não são só as palavras: também as expressões e imagens. No final da história, anotei dez das minhas preferidas. Quais serão as suas?

História tradicional sobre um rei da Polônia medieval.
Uma batalha em solo polonês. (Fonte: Wikimedia Commons)

Sigismundo, o Sábio

As hordas tártaras certa vez atingiram as planícies plácidas e fecundas do Vístula. Um pequenino exército, comandado pelo velho heroi Korab, procurou com valentia deter o inimigo que assolava a sagrada terra natal. Mas os bárbaros eram muitos e os guerreiros poloneses logo se viram cercados e apertados num formidável anel de ferro e de fogo. Todavia, não tiveram arrefecido o entusiasmo. Korab, combatendo com ímpeto, apesar do peso dos anos, tombou no campo da glória; muitos outros varões tombaram com ele. Os sobreviventes continuaram a combater com redobrado ímpeto querendo, a todo custo, romper o cerco asfixiante e granítico que os encerrava e readquirir a liberdade.

E era como se tivessem o coração em fogo e possuíssem membros de aço.

O sangue, em vez de prostrá-los, os exaltava. O perigo centuplicava-lhes as forças. Mas tinham necessidade de um chefe, de um guia. Não se pode combater vitoriosamente seguindo apenas o próprio impulso; não se pode, num campo de batalha, abandonar-se à veemência instintiva. Havia mister um comando, o apoio de uma vontade lúcida e enérgica, não discutível, que se impusesse e dirigisse os esforços.

Ninguém queria erguer a cabeça nesse mar em plena tormenta, ninguém queria assumir a alta responsabilidade de substituir Korab. No entanto, o heroísmo submergia-se na desordem, a audácia combativa era anulada pela anarquia estratégica. Quando a luta, apesar do ímpeto leonino dos poloneses, se ia resolvendo a favor dos tártaros, eis que surgiu um guerreiro misterioso, vestido de branco e vermelho. Ninguém conhecia aquele homem de barba negra que surgira nas fileiras cristãs e que mostrava olhos luminosos, belíssimos e nobres, e porte varonil. Bem, para o momento não importava saber quem fosse. Chegava dando ordens, como chefe experimentado, e era preciso obedecer-lhe. As palavras de comando, altas, claras, enérgicas, eletrizantes, fizeram-se ouvir. Os herois criaram novo alento, concentraram-se numa compacta massa e atiraram-se ao combate sob uma única vontade lógica e de granito. Os riachos isolados viram-se unidos e tornaram-se verdadeiro oceano invencível que rugia e atirava com ferocidade os vagalhões. O oceano abalou, enfim, o rochedo da obstinação tártara. O anel de ferro e fogo dos ferozes inimigos rompeu-se, enfim, esfacelando-se definitivamente. Os invasores, batidos, renunciaram à pilhagem e entregaram-se à fuga desordenada.

O guerreiro sem nome, ao redor do qual se comprimiu, em vivas entusiásticos, o exército vitorioso, levantou a espada cintilante:

— Para reerguer-vos, para coordenar os vossos esforços que teriam sido vãos, ó valentes filhos de nossa altiva terra, vim do mundo da eternidade. Sou Sigismundo, o rei que o povo chamava sábio.

A figura majestosa foi-se esvaecendo como nuvem. O velho rei retornara ao templo de Wavel, regressava à tumba para continuar o sono eterno, que o alarido e o fragor da invasão tártara haviam interrompido.

Extraído da Enciclopédia Universal da Fábula, vol. XXIII; Editora das Américas. Tradução de Hilário Correia.

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Para ampliar o vocabulário:

Assolar: arrasar

Fecundo: fértil

Arrefecer: esfriar

Tombar no campo da glória: morrer em batalha

Centuplicar: multiplicar por cem

Veemência: intensidade; impetuosidade.

Havia mister um comando: era necessário um comando

Esfacelar-se: desfazer-se

Esvaecer-se: evaporar-se

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Gostou de aprender novas palavras com esta lenda polonesa? Baixe o pdf. aqui.

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